Histórias

 

 Razão Áurea

 

Qual é a melhor maneira de dividir um segmento de reta em duas partes?

Talvez a pergunta tenha lhe parecido um tanto estúpida. Vou tentar explicá-la melhor.

Imagine um segmento de reta de um comprimento qualquer como o da Figura 1. Vamos chamá-lo, como convém, de segmento AB.

 



Figura 1: Segmento AB

Ele pode ser dividido em duas partes inserindo-se em uma posição qualquer de seu interior um terceiro ponto, digamos o ponto D. Se D for inserido em um local em que as distâncias dele às duas extremidades do segmento forem iguais, ele o dividirá ao meio (ou na proporção 1:1, ou ainda “um para um”), como na Figura 2.

 


Figura 2: Segmento AB dividido ao meio

Mas pode-se escolher qualquer outra posição para o ponto D. A figura 3 mostra situações diversas em que o ponto D divide o segmento em diferentes proporções, como 1:2 (“um para dois”, no ponto D2), 1:3 (“um para três”, no ponto D3), 1:4 (“um para quatro”, no ponto D4) ou qualquer outra, como a mostrada pelo ponto D da Figura 3.

 



Figura 3: Segmento AB dividido em diversas proporções

Pois bem, considerando-se tudo isto, voltemos à nossa pergunta: alguma dessas formas de dividir o segmento – ou qualquer outra, a seu critério – poderia ser considerada a melhor?

Talvez agora, que você entendeu a pergunta em toda a sua profundidade, extensão e desdobramentos, lhe advenha a certeza de que ela é realmente estúpida. Como considerar uma forma qualquer de dividir um segmento “melhor” que outra? O que se pode considerar “melhor” em um contexto como este?

Pois bem: estúpida ou não, essa questão preocupa a humanidade há milênios. Ela vem sendo discutida através dos séculos pelas mais privilegiadas mentes das gerações passadas. A história relata que esta pergunta ocupou os pensamentos de gênios do quilate de Johannes Kepler, o astrônomo que concebeu as leis do movimento planetário, Pitágoras, o mago dos números, Euclides, o pai da geometria (me refiro à euclidiana, naturalmente), Leonardo da Vinci, o gênio da ciência e das artes, e gente talvez menos ilustre mas nem por isso menos importante como Leonardo de Pisa (também conhecido como Leonardo Pisano, ou Fibonacci), que concebeu a seqüência de Fibonacci, Luca Pacioli, que dedicou todo um tratado a este tema e centenas, talvez milhares, dos mais ilustres matemáticos, geômetras, astrônomos e cientistas que abrilhantaram a história da humanidade e que acreditaram que sim, há uma forma melhor que todas as demais para dividir um segmento de reta.

Como é que pode?

E qual seria esta forma ideal de dividir um segmento, uma proporção tão especial que despertou tamanho interesse em mentes tão privilegiadas?

Esta divisão seria a correspondente à posição do ponto D na Figura 3, que define o chamado “Segmento Áureo”, mostrada em destaque na Figura 4. Ela foi considerada por todos estes cérebros geniais como a forma mais bonita, mais harmônica, mais elegante, esteticamente perfeita, a mais nobre maneira de dividir um segmento de reta.

 



Figura 4: O segmento áureo

Mas o que tem esta posição do ponto D que a torna tão especial? E em que proporção ela divide o segmento?

Voltemos um pouco no tempo. Caminhemos pouco mais de vinte e três séculos em direção ao passado até o ano 300 AC quando o genial Euclides publicou seus “Elementos”, uma formidável coleção de treze volumes que sedimentaram as bases da chamada Geometria Euclidiana e que foram, talvez, junto com o “Philosophiae naturalis principiae mathematica” de Newton, as publicações mais importantes da ciência universal.

Euclides iniciou os “Elementos” pelos postulados, ou axiomas, verdades tão evidentes que não necessitavam (algumas delas na verdade nem poderiam) ser demonstradas. Como por exemplo o axioma que afirma que “por um ponto de um plano só se pode traçar uma reta paralela a outra reta”. Em seguida, usando apenas seus axiomas, régua, compasso e lógica pura, Euclides demonstrou diversas “proposições” ou “teoremas”. Por exemplo, a proposição 10 do livro 1 dos “Elementos” mostra como dividir um segmento de reta exatamente ao meio traçando duas circunferências a partir de suas extremidades e unindo as interseções destas circunferências por uma reta que, demonstrou Euclides, não somente dividia o segmento ao meio como era perpendicular a ele (veja Figura 5).

 


Figura 5: Divisão de um segmento ao meio (Euclides, “Elementos”, livro 1)

E assim, de teorema em teorema, Euclides criou toda uma estrutura maravilhosamente complexa e interligada de conhecimentos que hoje conhecemos por “geometria Euclidiana”.

Pois bem: na proposição 30 do livro 6 de seus “Elementos” Euclides ensina como “dividir um segmento nas razões média e extrema”. E esta divisão, você já deve ter adivinhado, corresponde exatamente àquela exibida na Figura 4, que define o segmento áureo (ou de ouro).

O que quis Euclides dizer quando se referiu às “razões média e extrema”? Simples: ele quis dizer que a razão (ou “proporção”) existente entre o comprimento do segmento inteiro e o de sua maior divisão (razão extrema) é exatamente igual á razão (ou “proporção”) entre o comprimento desta maior divisão e o da menor (razão média). E que é exatamente isto, esta dupla proporcionalidade entre apenas três elementos, que torna esta forma de dividir o segmento tão especial.

Empregando o meio usual de exprimir proporções, teremos:

AB/AD = AD/DB

Mas qual será o valor (numérico) desta proporção? Bem, não é difícil calculá-lo. Bastam algumas noções elementares de matemática, incluindo a resolução de uma equação do segundo grau, coisa que se aprende no primeiro (desculpem, mas o jogo de palavras foi irresistível...)

A solução é mostrada na Figura 6, mas se você não é chegado a matemática pode pular os entrementes e ir direto aos finalmentes logo após a figura.

 



Figura 6: Cálculo da Razão Áurea

A proporção que estávamos procurando corresponde à primeira solução, cujo valor Fi (já justificaremos este estranho nome) é 1,61803 e a proporção será de 1:1,61803...

Esse número, o irracional Fi = 1,61803..., é um número muito especial sobre o qual ainda falaremos muito hoje e nas próximas colunas. Mas, antes de prosseguir, vamos ver o que é exatamente um número irracional. Trata-se de um número que não pode ser obtido pela divisão de dois números inteiros e que, quando expresso sob a forma de fração decimal, resulta em um número fracionário com uma quantidade infinita de “casas” decimais. O Prof. Ron Knott, usando o aplicativo matemático Maple, computou o valor numérico de Fi com dez mil casas decimais, que pode ser encontrado aqui (e, apenas para sua informação: Fi foi o primeiro número irracional conhecido pela matemática).

Mas por que o nome “Fi”? Bem, acontece que números “importantes” têm nomes e símbolos. Você certamente conhece o mais famoso deles, o número “Pi”, simbolizado pela letra grega de mesmo nome, também irracional e também representando uma proporção geométrica (entre o comprimento de uma circunferência e o de seu diâmetro). Pois nosso número, aquele que representa a proporção áurea, também recebeu um nome, que deriva igualmente de uma letra grega, a letra “Fi” (em inglês escreve-se “Phi”, com o “ph” pronunciado com o som do fonema “f”). Há quem considere Pi e Fi os dois números mais importantes da matemática. A representação de ambos sob a forma das letras gregas correspondentes pode ser vista na Figura 7.

 



Figura 7: Representações de Fi e de Pi

Da importância de Pi estou certo que você está ciente. E Fi, por que será tão importante? Apenas porque representa a proporção áurea? O que tem ele de tão especial?

Dá para escrever um tratado sobre isso (e de fato, em 1509 Frei Luca Bartolomeo Paciolo, matemático italiano e colaborador de Leonardo da Vinci, publicou um, intitulado “La Divina Proportione”, a divina proporção, um nome alternativo pelo qual é conhecida a razão áurea). Mas vamos abordar aqui apenas alguns pontos essenciais.

Primeiro: por que “Fi”? Qual a razão de escolherem justamente esta letra grega entre tantas para representar o número correspondente à razão áurea? Consta que foi uma homenagem a Fídias, o famoso arquiteto e escultor grego que viveu há dois mil e quatrocentos anos mas cuja obra monumental perdura até hoje e que usava e abusava da razão áurea em suas obras. Por isso adotaram sua inicial (em grego) para dar nome ao número “Fi” que representa esta razão. E, se resta alguma dúvida sobre o fato de Fídias dedicar uma atenção especial a este número basta examinar a Figura 9, que mostra uma reprodução do frontispício original da mais célebre de suas obras, o Partenon, cujas ruínas (a Figura 8 exibe uma foto) até hoje enfeitam o monte Olimpo, em Atenas.

 


Figura 8: Ruínas do Partenon, no Monte Olimpo

Na Figura 9 estão assinaladas algumas das relações entre os elementos estruturais que obedecem à razão áurea, inclusive o retângulo que circunscreve a fachada (um “retângulo áureo”, ou seja, aquele cujos lados obedecem à proporção áurea).

 



Figura 9: Frontispício do Partenon com razões áureas destacadas

E por que teria Fídias recorrido tantas vezes ao número Fi?

Uma das mais importantes contribuições à ciência matemática foi dada pelos seguidores de Pitágoras que fundaram a “Escola Pitagórica”, uma organização secreta de caráter religioso com 300 membros que se dedicavam ao estudo da Matemática e da Filosofia. Todas as suas ações eram orientadas por uma frase proferida por Pitágoras que afirmava: “Os números são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas”.

O símbolo da confraria era o pentagrama, uma estrela de cinco pontas sobre a qual voltaremos a falar mas que desde já podemos dizer que se baseia exclusivamente em combinações de segmentos de reta que obedecem à proporção áurea.

Os Pitagóricos descobriram que coisas como a harmonia musical e as relações geométricas poderiam ser expressas através de números. Disso concluíram que tudo no universo, desde os objetos físicos até fenômenos atmosféricos e o movimento dos corpos celestes era regido por números. Acreditavam que Deus era um geômetra e os números e figuras geométricas tinham natureza e poder divinos.

Cada número representava algo. Os números pares eram femininos e os ímpares, exceto “1”, eram masculinos. O número 1, por ser o formador de todos os demais, representava Deus. O número 5 representava o casamento por ser a soma do primeiro número feminino (2) com o primeiro masculino (3; não esqueça que 1 não era masculino). Mas havia outros significados para os números. Por exemplo: 2, o primeiro número feminino, representava igualmente o intelecto, para gáudio das feministas. O número 3 representava o “filho”, o terceiro elemento da família. E, talvez como uma prova de sua divina sabedoria, para os Pitagóricos o número 5 que representava o casamento representava igualmente a noção de “caos”.

Pois bem: o que diziam os Pitagóricos do número Fi?

Sim, eles o conheciam. E além de o utilizarem fartamente na formação de seu símbolo, o pentagrama, acreditavam que seu uso conferia harmonia e beleza aos objetos. Era considerado como representante da “perfeição”. Crença, aliás, compartilhada pela maioria das instituições financeiras modernas. Se duvida, meça as dimensões de seu cartão de crédito ou cartão bancário e divida a largura pela altura (em geral 8,4 cm x 5,2 cm). Se o resultado não for igual a Fi, será algo muito próximo dele (ou seja: seu cartão de crédito é um retângulo áureo, quem diria...)

Pois era por isso, por esta busca da beleza e harmonia, que Fídias dedicava tamanha atenção à proporção áurea.

Espantou-se por encontrar o número Fi em algo tão prosaico como seu cartão de crédito? Pois se espantará muito mais ao longo desta série de colunas: irá encontrá-lo nos lugares mais improváveis, de grandes obras arquitetônicas modernas, como o prédio da ONU em Nova Iorque, até conchas de moluscos, folhas de árvores e em um número imenso de famosas obras de arte. Além de espalhado, por mais que lhe custe crer, por todo o nosso corpo. Mas na coluna de hoje estamos mais interessados em suas (curiosíssimas) propriedades numéricas. Então vamos a elas.

Para começar, não deve ter lhe passado despercebido o fato da equação do segundo grau que fornece o resultado de Fi ter duas raízes. Que, calculadas, resultam em:

x = 0,61803...
e
x’ = -1,61803...

Pois bem: o simétrico da segunda, como já vimos, corresponde à razão Fi e costuma ser representada pela letra Fi maiúscula. A primeira, que corresponde à relação entre os comprimentos do segmento menor e do maior, designaremos pela letra fi minúscula. Nas figuras e relações matemáticas exibidas sob a forma de ilustrações, usaremos as letras gregas correspondentes, como na Figura 10.

 


Figura 10: Representações de Fi e fi

Os números Fi e fi apresentam propriedades singulares que se consubstanciam em interessantes relações numéricas das quais algumas citaremos adiante. Todas podem ser demonstradas matematicamente, mas incluir aqui sua demonstração tornaria esta coluna enfadonha. Em vez disso vou demonstrar apenas uma delas, a primeira, por ser quase evidente (e se não lhe agradarem demonstrações matemáticas, pule a figura). Quanto às demais, citarei a fonte onde encontrar a demonstração.

Como vimos na Figura 6, obtivemos o número Fi invertendo o valor da raiz positiva da equação de segundo grau. E qual era o valor daquela raiz? Era, naturalmente, o inverso de Fi. Vejamos na figura 11 qual seu valor numérico (consulte a Figura 6 se precisar):

 



Figura 11: Algumas relações entre Fi e fi

O número fi = 0,61803..., também chamado de “razão áurea conjugada”, corresponde à raiz positiva da equação de segundo grau resolvida na Figura 6. Ele representa o inverso da razão áurea, ou seja, a razão entre os comprimentos da menor e da maior divisão do segmento (ou a relação entre o comprimento da maior divisão e o do segmento inteiro, o que dá no mesmo).

Repare nas três relações circundadas por um retângulo na parte inferior da Figura 11. A primeira significa que Fi é o inverso de fi, como demonstrado logo acima na mesma figura. A segunda é evidente por si mesma: subtraindo-se 1 de Fi obtém-se fi. Mas a terceira, que se obtém combinando as duas primeiras, ilustra uma propriedade singular, já que Fi é o único dentre os números reais positivos que a exibe: seu inverso é igual a ele mesmo menos a unidade.

As demais propriedades (ou representações de Fi) encontradas na Figura 12, algumas delas também únicas entre os números reais, podem igualmente ser demonstradas e se você se interessa por este tipo de coisa encontrará a demonstração na Wikipedia em espanhol (cuidado: a Wikipedia em inglês também as demonstra mas usa as letras gregas invertidas para representar as razões, ou seja, representa Fi com a letra grega minúscula e fi com a maiúscula).

Veja como são singulares e interessantes (eu não disse que Fi era um número muito especial?)

 



Figura 12: Relações adicionais entre Fi e Fi

A primeira destas relações é absolutamente única: ela significa que para se obter o quadrado de Fi, basta somar uma unidade ao próprio Fi. As demais são formas alternativas e curiosas de se obter os valores numéricos de fi e Fi.

Agora, que já conhecemos tanto sobre o número Fi e a razão áurea, falta conhecer apenas uma forma de determiná-la (ou seja, de dividir um segmento na razão áurea). E se você achou que isso é muito fácil pois basta dividir o comprimento total do segmento por Fi para encontrar a maior divisão certamente esqueceu-se que Fi é um número irracional, com uma quantidade infinita de casas decimais, portanto a divisão jamais resultará em um valor exato (embora, usando-se uma representação de Fi com um número suficiente de casas decimais resulte em um valor tão aproximado que jamais poderia ser distinguido de um valor exato; mas nós aqui não nos satisfaremos com menos que o valor exato).

Pois aqui está a forma de fazê-lo, geometricamente. A Figura 13 mostra a construção.

 

 
Figura 13: Como encontrar o ponto D

ANIMAÇÃO: Clique aqui para acompanhar passo a passo a construção acima em uma animação.

E se você está interessado na justificativa matemática do procedimento acima, poderá encontrar uma interessante demonstração aqui.

Pronto, agora você já foi apresentado ao número Fi.

Então, preparando-nos para a próxima coluna, vou lhe propor um pequeno problema. Que parece nada ter a ver com Fi, mas sempre é bom tomar cuidado com essas afirmações já que este número estranho costuma aprontar surpresas.

Mas seja lá como for, vamos ao problema. Partamos das seguintes suposições:

1) um cavalheiro adquiriu um casal de coelhos recém nascidos;
2) este (e qualquer outro) casal de coelhos demora um mês exato para atingir a maturidade, tornando-se fértil e podendo reproduzir;
3) cada casal de coelhos fértil gera um casal de filhos a cada mês, aceitando-se cruzamentos consangüíneos (é um problema de matemática, não de genética...);
4) o cavalheiro jamais se desfaz de seus coelhos que, por sua vez, nunca morrem (como eu disse, é um problema de matemática...).

Isto posto, e obedecendo-se a estas estranhas condições, pergunto: ao final de um ano quantos coelhos o cavalheiro possuirá? E quantos possuía a cada mês?

(reitero: é um problema de matemática, não uma “pegadinha” ou qualquer brincadeira parecida; o resultado será a raiz do assunto da próxima coluna e pode ser obtido exclusivamente através de raciocínio lógico baseado nas premissas acima)

Quem acertar, ganha um bombom.
Criando coelhos 

 

Seu nome era Leonardo, filho de Guglielmo. Seu pai era um homem tão bem-humorado que tornou-se conhecido por “Bonacci”, uma palavra que gerou em português o termo “bonachão”. Por isso, depois de sua morte, Leonardo passou a ser conhecido também por “Fibonacci”, que significa “figlio Bonacci”, “o filho de Bonacci”. Você encontrará ainda citações que se referem a ele pelo nome de “Leonardo Bigollo” (termo toscano usado para designar “viajante” e logo você verá por que), “Leonardo Pisano” ou “Leonardo de Pisa”, por haver nascido em Pisa em plena Idade Média, provavelmente em 1170, a mesma Pisa de cuja torre inclinada seu conterrâneo Galileu três séculos mais tarde deixaria cair duas esferas de massas diferentes e, ao constatar que chegavam ao solo no mesmo instante, demonstraria que a velocidade com que um corpo cai independe de sua massa, contrariando Aristóteles que afirmava o contrário. Mais isso é uma mera divagação que nada tem a ver com Fibonacci, sobre quem sabe-se surpreendentemente pouco para um homem de tamanha importância para as ciências matemáticas e cujo nome é citado com tanta freqüência três quartos de milênio após sua morte.

Sabe-se, por exemplo, que Leonardo viveu até 1250, atingindo idade avançada para os tempos medievais. Ainda jovem, viajou até o Norte da África e viveu por alguns anos na cidade de Bugia (atualmente Bejaia, na Argélia), onde seu pai trabalhou como cônsul da República de Pisa (“Il Risorgimento”, ou a unificação da Itália, apenas sobreveio no século XIX; na idade média as cidades que hoje a formam eram comunas ou repúblicas independentes).

Na época em que viveu Fibonacci todo o Norte da África e parte da Europa (inclusive a Península Ibérica) estavam sob dominação árabe. As funções oficiais de Guglielmo Bonacci eram ligadas à alfândega e, portanto, ao comércio internacional. O que fez com que ele e seu filho Leonardo se enfronhassem nas artes dos cálculos matemáticos. Algo relativamente simples não fora por um detalhe: em Pisa, ainda por influência do velho Império Romano, usava-se a notação numérica que hoje conhecemos por “algarismos romanos”, enquanto no Norte da África já se usava o “modus Indorum”, ou “método dos hindus”, a notação trazida da Índia pelos árabes, aquela que por esta razão conhecemos por “algarismos arábicos” e passamos a usar no sistema numérico posicional de base dez, o “sistema decimal”.

O prezado leitor já se dedicou alguma vez na vida a efetuar cálculos utilizando a notação romana? Experimente. Uma continha simples, uma bobagem. Digamos: sua idade, subtraindo o ano em que você nasceu do ano atual. Pegue o lápis e anote aí: MMVII, o Ano da Graça em que estamos. Agora exprima o ano de seu nascimento em algarismos romanos. Não sabe? Use o meu: MCMXXXIX (você pensava que eu era mais novinho, nénão?). Então, vamos nessa: escreva o último número logo abaixo do primeiro e faça a subtração. Mas lembre: sem converter para a notação arábica.

Sei não, mas acho que se depender dessa conta minha idade continuará a ser um mistério para você...

Percebeu a dificuldade? Pois Leonardo também (e se você não percebeu ou não sabe exatamente o que é um sistema numérico posicional, dê-me a honra de uma visita a meu Sítio, vá até a seção "Escritos”, clique no botão “Microcosmo”, o nome de uma velha coleção de colunas que publiquei no século passado, e leia a coluna “Fazendo conta”, de 16/01/1995; aposto que achará muito interessante).

Pois Leonardo achou a notação numérica usada pelos árabes tão mais simples e, sobretudo, o uso de seu sistema numérico posicional tão mais fácil, que dedicou toda a juventude a seu estudo, viajando pela África e Europa Mediterrânea para manter contato com os mais eruditos matemáticos do mundo Árabe e enfronhar-se nos mistérios da obra de Al-Khwarismi (qualquer semelhança com o termo “algarismo” não é mera coincidência), apenas retornando a Pisa no ano de 1200. Dois anos depois, aos 32 de idade, publicou o “Liber Abaci” (o livro dos cálculos), obra que fez com que fosse considerado por muitos como o matemático mais talentoso da Idade Média.

 


Figura 1: Leonardo de Pisa, o “Fibonacci”

Sobre seu livro, diz o próprio Fibonacci: “seguindo rigorosamente o método dos Hindus (‘modus Indorum’) e tendo muito sofrido para estudá-lo, acrescentando algumas coisas de minha própria autoria e agregando também certos conhecimentos das sutilezas da arte da Geometria Euclidiana, eu me esforcei para escrever este livro em sua totalidade da forma mais compreensível que consegui...” (embracing more stringently that method of the Hindus, and taking stricter pains in its study, while adding certain things from my own understanding and inserting also certain things from the niceties of Euclid's geometric art, I have striven to compose this book in its entirety as understandably as I could – do Verbete na Wikipedia).

E conseguiu mesmo. Pois com ele logrou o prodígio de introduzir o sistema numérico posicional de base dez na cultura Européia em plena Idade Média, considerada a “idade das trevas”. Quer dizer: se não fosse por Fibonacci, quem sabe você teria feito aquele cálculo lá de cima, já que talvez ainda estivéssemos usando a notação romana... (sim, sei que isso é um exagero já que não fosse Fibonacci cedo ou tarde algum matemático introduziria a notação arábica no mundo ocidental; mas serve para dar uma medida da importância de Leonardo Pisano para as ciências matemáticas modernas).

Uma peculiaridade do “Liber Abaci”: nele, pela primeira vez, aparece na literatura científica ocidental a menção ao “zero” (como um sinal, ou símbolo, não como um número, já que zero não é número). Diz Leonardo textualmente: “Os nove algarismos hindus são: 9; 8; 7; 6; 5; 4; 3; 2; 1. Com estes nove algarismos e com o sinal 0... pode-se escrever qualquer número” (The nine Indian figures are: 9 8 7 6 5 4 3 2 1. With these nine figures, and with the sign 0 ... any number may be written – Ainda da Wikipedia). Note que para a época tratava-se de um conceito absolutamente revolucionário que permitia usar o símbolo “0” para preencher uma posição decimal “vazia”, como no número “13027”, viabilizando o uso de sistemas numéricos posicionais.

Ao contrário de tantos gênios (e felizmente para ele), Leonardo teve sua importância reconhecida ainda em vida, tornando-se protegido do Imperador Frederick II (da dinastia Hohenstaufen, pretendente ao trono do antigo Império Romano), que dedicava atenção especial à matemática e às ciências. Em 1240, a República de Pisa lhe concedeu uma pensão vitalícia.

Fibonacci dedicou-se por toda a vida ao estudo da matemática com uma importante produção intelectual. Além da introdução da notação arábica na cultura ocidental deve-se a ele o estabelecimento da “Identidade de Fibonacci” (também conhecida por “Identidade de Brahmagupta”) que afirma que “o produto de dois números que são, cada um deles, a soma de dois quadrados é, por sua vez, a soma de dois quadrados” (mais informações na Wikipédia).

Mas não foi qualquer uma destas façanhas que trouxe o ilustre nome de Fibonacci para esta humilde série de colunas. O que fez com que ele viesse parar aqui foi sua fictícia criação de coelhos. Sim, porque foi nosso amigo Fibonacci, justamente em sua obra mais conhecida, o “Liber Abaci”, que propôs o problema com o qual encerramos a coluna anterior.

Não lembra? Refresquemos nossa memória, então. O problema era o seguinte:

Partindo dos pressupostos abaixo:
1) um cavalheiro adquiriu um casal de coelhos recém nascidos;
2) este (e qualquer outro) casal de coelhos demora um mês exato para atingir a maturidade, tornando-se fértil e podendo reproduzir;
3) cada casal de coelhos fértil gera um casal de filhos a cada mês, aceitando-se cruzamentos consangüíneos;
4) o cavalheiro jamais se desfaz de seus coelhos que, por sua vez, nunca morrem;
Pergunta-se: ao final de doze meses quantos casais de coelhos o cavalheiro possuirá? E quantos possuía a cada mês?

Para traçar uma estratégia para a solução do problema, vamos reparar na Figura 2 que exibe a “árvore genealógica” dos coelhos até o quarto mês.

 



Figura 2: “árvore genealógica” até o quarto mês

Antes que alguém proteste: sim, de fato não existe “mês zero”. Aquela linha está ali apenas para facilitar meu trabalho um pouco mais adiante. Mas como no hipotético “mês zero” o número de casais de coelhos também é zero, ela não interferirá no restante do raciocínio. Então, mãos a obra.

Na figura, um casal de coelhos recém nascido, portanto antes de atingir a maturidade e tornar-se fértil, é representado sem qualquer adereço. Mas a partir de um mês de nascido, quando já pode se reproduzir, a imagem do casal aparece circundada com uma tonalidade avermelhada. Do ponto de vista prático isso significa que apenas gerarão descendentes no mês seguinte os casais assim assinalados.

Agora, vamos acompanhar o crescimento da população de coelhos mês a mês. No primeiro mês (mês 1) temos apenas o casal recém adquirido, que ainda não atingiu a maturidade. População total do mês 1: um casal (não fértil).

Como no seu primeiro mês de vida este casal não pode se reproduzir, no mês seguinte a população total continuará a ser formada apenas por ele, que agora, porém, já está fértil e poderá se reproduzir no próximo mês. População total do mês 2: um casal (agora, fértil).

Já no terceiro mês a coisa é diferente. Repare na figura: o casal de coelhos representado na cor branca estava fértil no mês 2, portanto gerará um casal de filhos que se juntará a ele no mês 3. Este casal (representado na cor verde) sendo recém nascido, não estará fértil. População total do mês 3: dois casais (um fértil, um não).

Agora fica fácil entender o que acontece no mês 4: o único casal fértil (os coelhos brancos) gerará mais um casal de filhos (na figura, representados em vermelho). Mas o casal de coelhos representados em verde atinge à maturidade, elevando para dois o número de casais férteis. População no mês 4: três casais (dois férteis, um não).

Para desenhar mais um trecho da árvore genealógica basta lembrar que cada casal fértil gerará um novo casal de filhos (representado “puxando-se” uma linha vermelha de cada casal circundado com a tonalidade avermelhada que indica fertilidade, estendendo-a até o mês seguinte e desenhando um novo casal recém nascido em sua extremidade). E que como os coelhos não morrem, os casais existentes no mês anterior se repetem no mês seguinte, repetição esta que é enfatizada na figura por linhas azuis (sempre lembrando que nesta passagem os recém nascidos passam a atingir a maturidade já que completam um mês).

A explicação parece complicada? Pois então acompanhe a figura 3, que mostra a árvore genealógica até o sétimo mês, que talvez ela se torne mais clara.

 




Figura 3: “árvore genealógica” até o sétimo mês

Preste atenção na figura: de cada casal fértil (cercado por uma tonalidade avermelhada) sai uma linha azul que leva à representação do mesmo casal no mês seguinte e uma linha vermelha que acaba em um casal recém nascido no mês seguinte. E de cada casal de coelhos não fértil que existe em um mês sai apenas uma linha azul para indicar que ele se repete no seguinte (quando aparece já circundado com a tonalidade avermelhada para indicar que então ele já se tornou fértil). Com isto já se pode deduzir a “lei de formação” da seqüência numérica que representa o número de casais mês a mês.

E que lei é essa? Vamos deduzi-la. Tome um mês qualquer (por exemplo, o mês 5): sua população (cinco casais) é igual à população total do mês anterior (no caso, os 3 casais existentes no mês 4) somada aos recém nascidos naquele mês (ainda no caso, os dois casais nascidos no mês cinco).

Mas quantos casais recém nascidos haverá em cada mês? Igualmente simples: tantos quantos são os casais férteis no mês anterior (ainda tomando como exemplo o mês 5, note que havia dois casais férteis no mês 4). Mas atenção (e este ponto é crucial para entender a lei de formação!!!): o número de casais férteis no mês anterior corresponde exatamente ao número total de casais de dois meses antes (verifique: no mês 5 há dois casais recém nascidos, correspondentes á população total do mês 3; e isso se repete mês a mês: no mês 6 há três recém nascidos, correspondentes à população total do mês 4; e assim por diante...)

Agora ficou fácil calcular o número total de casais do mês 8, que não aparece na figura. E nem precisa: basta olhar para a Figura 3, contar o número de casais férteis no mês 7 (que é igual ao número total de casais do mês 6) e somar com o número total de casais do próprio mês 7. Vamos lá: total de casais do mês 7: 13 casais. Casais férteis no mês 7 (que é igual ao número total de casais do mês anterior, o mês 6): 8 casais. É fácil concluir então que no mês 8 teremos 13 + 8 = 21 casais.

Ora, então para se obter o número total de casais em um mês qualquer basta somar o número de casais dos dois meses que o precedem. Olhe para a figura 3 e veja se não tenho razão...

Pronto, encontramos a “lei de formação”, que pode ser expressa pela expressão algébrica: P(n) = P(n-1) + P(n-2), que equivale a dizer que “o número de casais de coelhos P(n) em um mês qualquer é igual à soma do número de casais do mês anterior P(n-1) com o número de casais do mês que o antecede, P(n-2)” (note que para obter a população total de coelhos em um dado mês basta multiplicar por dois o número de casais existentes naquele mês).

Agora que você sabe disso fica fácil resolver o problema proposto por Fibonacci. Basta continuar a calcular o número de casais mês a mês até o mês 12.

O número de casais no mês 9, P(9), será igual à soma de P(8 ) com P(7), 13 + 21 = 34.

Sempre aplicando a lei de formação da seqüência, o número de casais possuídos pelo hipotético cavalheiro do problema de Fibonacci nos meses seguintes será:

P(10) = P(9) + P(8 ) = (34 + 21) = 55 casais;
P(11) = P(10) + P(9) = (55 + 34) =89 casais e
P(12) = P(11) + P(10) = (89 + 55) = 144 casais.

O cavalheiro teria então um total de 144 casais ou 288 coelhos ao final de doze meses.

A evolução do número de casais (agora incluindo o zero) foi a seguinte:

0; 1; 1; 2; 3; 5; 8; 13; 21; 34; 55; 89 e 144

uma seqüência (que, naturalmente, continua indefinidamente após o termo “144”) na qual cada termo é a soma dos dois anteriores. Seu nome é “seqüência de Fibonacci”, já que foi ele o primeiro a chamar a atenção dos matemáticos para sua existência.

Mas afinal, isso teria algum significado ou foi uma mera perda de tempo?

 

a Cadeia Áurea

 

 
Ora, considerando-se que a segunda coluna é parte integrante da série, devia-se esperar que ela mencionasse em algum ponto o “número muito especial”. Não mencionou, nada foi escrito sobre ele e, curiosamente, pelo menos até o momento em que batuco estas linhas em meu sofrido teclado, mais de mil visitantes se deram ao trabalho de ler a segunda coluna e, nos comentários, nem um deles se manifestou sobre a aparente incongruência. Quer dizer: ou vocês, leitores, andam muito distraídos ou sabem mais sobre o assunto do que deixam entrever nos comentários. E conhecendo vocês como conheço depois de escrever aqui por quase dois anos, estou mais inclinado a crer na segunda hipótese que na primeira.

Mas presumamos que não. Imaginemos que sejam mesmo uma horda de distraídos. Nesse caso, cabe a mim levantar a questão: se a série é sobre “um número muito especial”, como uma coluna sobre a criação de coelhos do Sr. Fibonacci veio parar no meio dela? O que tem a seqüência de Fibonacci a ver com a razão Áurea?

Se você não sabe e se tem instalado no computador onde deve estar lendo estas mal traçadas linhas uma planilha eletrônica (qualquer uma, mesmo das mais simples), sugiro que faça uma experiência ainda durante a leitura. Falo sério: mesmo que você não tenha qualquer experiência no uso de planilhas, não siga simplesmente adiante lendo o texto. Antes, carregue sua planilha e faça a singela experiência que descreverei passo a passo nos próximos parágrafos. Ela não exige qualquer prática no uso de planilhas, será descrita da forma mais simples possível (os usuários mais experientes haverão de me desculpar pelo excesso de simplificação) e acredito que a achará interessante.

Planilha carregada? Então escreva, na célula A1, o dígito “0” (zero) e logo abaixo, na célula A2, o número “1” (um). Sua planilha deverá se apresentar assim:


Figura 1: primeiro passo

Agora, vamos entrar com uma fórmula. Mas não se assuste, é coisa simples: na célula A3 digite o sinal de igualdade seguido de A2+A1 ou seja: “=A2+A1”, sem as aspas, exatamente como na Figura 2, e tecle ENTER (e não se surpreenda se sua planilha não se apresentar como no lado esquerdo da figura: apesar de você entrar com a soma, assim que teclar ENTER a planilha efetuará o cálculo e se mostrará com uma aparência semelhante à do lado direito da figura, já que a soma de um com zero resulta em um).



Figura 2: segundo passo

Muito bem. Agora, vamos propagar a fórmula para as linhas de baixo. Não se preocupe com o jargão que a coisa é fácil: se você está usando Excel, clique na célula A3 para selecioná-la, mantenha apertada a tecla “Shift” e com a seta para baixo estenda a seleção até a célula A25. Sua planilha deverá apresentar um aspecto semelhante à imagem do lado esquerdo da Figura 3. Agora solte a tecla “Shift” (o trecho selecionado continuará marcado) e acione a combinação “Ctrl+D” (aperte a tecla “Ctrl” enquanto tecla “D”). A planilha assumirá o aspecto da imagem central da Figura 3. E parabéns: você acabou de calcular os primeiros 25 elementos da Seqüência de Fibonacci.


Figura 3: terceiro passo (seqüência de Fibonacci)

Incidentalmente: se você não está trabalhando com Excel e sua planilha não aceita o comando “Ctrl+D” para propagar a fórmula para baixo, terá um pouco mais de trabalho mas chegará ao mesmo resultado entrando com as fórmulas exibidas na imagem do lado direito da Figura 3. Parece complicado, porém assim que você reparar que cada uma delas representa a soma das duas células situadas imediatamente acima verá que a tarefa é realmente muito simples.

Feito? Admire um pouco sua seqüência de Fibonacci, eu espero. Repare como ela é harmoniosa, crescendo lentamente no princípio e mais rapidamente à medida que as parcelas aumentam. Terminou? Então vamos adiante. Nossa missão agora é, a partir do terceiro termo da seqüência (o segundo número “um”), dividi-lo pelo anterior e escrever o resultado na segunda coluna.

Não se preocupe que é mais fácil ainda. Basta entrar com a fórmula “=A3/A2” na célula B3. Depois, selecione esta célula e propague sua fórmula para baixo até a linha 25 da coluna B exatamente como fez com a fórmula da coluna A. A planilha com as fórmulas (que, lembre-se, desaparecem assim que você teclar ENTER ou “Ctr+D”) terá o aspecto da imagem da esquerda da Figura 4. E os valores dos quocientes, linha a linha, são os mostrados na coluna B da imagem do lado direito da mesma figura (expressos com sete casas decimais; se sua planilha mostra um número diferente de casas, certamente os valores não serão diferentes, apenas estarão arredondados).


Figura 4: Divisão de termos sucessivos da seqüência de Fibonacci

Notou algo de interessante?

Para ajudar, veja a Figura 5, que mostra um gráfico onde a linha vermelha representa a variação dos valores dos quocientes de cada dois termos sucessivos da seqüência de Fibonacci e a linha azul é uma “linha de tendência”, representando o valor para o qual tende a convergir a série de valores da seqüência.



Figura 5: Gráfico da variação dos quocientes

Repare que depois de alguns valores a linha vermelha se torna praticamente horizontal, mostrando que os valores dos quocientes passam a não variar (na verdade variam, mas quase imperceptivelmente) e se fixam em torno de um dado valor (ou seja, em linguagem matemática, “tendem para este valor”). Justamente o valor mostrado pela linha de tendência. E adivinhe que valor é esse? É o mesmo que consta das últimas linhas da coluna B de sua planilha: 1,618034...

Mas veja você que mundo danado de pequeno, não é que escondido entre os coelhos do Mestre Fibonacci encontramos novamente o nosso velho amigo, o número Fi lá da primeira coluna?

Espantado por encontrá-lo em um local tão inesperado? Pois guarde seu espanto para as próximas colunas, onde você o reencontrará em locais ainda mais prodigiosos.

Mas por enquanto vamos mesmo ficar na seqüência de Fibonacci que ela ainda nos reserva algumas surpresas interessantes. Mesmo porque eu ainda tenho que arrumar um jeito de meter alguma coisa em binário no meio dessas colunas. Afinal isso aqui é um sítio sobre tecnologia da informática e um dos mais sérios que conheço. Portanto, pra não dizer que não falei de bits, sigamos adiante e vamos galhardamente descobrir a “golden string”.

Lembra dos coelhinhos da coluna anterior? Para refrescar sua memória, vamos repetir aqui a figura que representa sua árvore genealógica até a sétima geração, já que deveremos fazer algumas considerações sobre ela. Aqui está:


Figura 6: Árvore genealógica dos coelhos de Fibonacci

Agora, representemos por “N” (de “Nascido”) um casal de coelhos nascido naquele mês e por “M” (de “Maduro”) um casal de coelhos capaz de se reproduzir. E, sem importar com a linha de descendência (ou seja, com a cor dos coelhos), vamos refazer a figura acima, que então se transformará em:


 
Figura 7: Árvore genealógica “transformada”

Muito bem. Agora examine a estrutura em árvore (isso mesmo, uma árvore genealógica também é uma estrutura em árvore ou uma estrutura hierárquica como a estrutura de pastas ou “diretórios” de seus discos rígidos, como bem sabe qualquer estudante que tenha algum conhecimento de algoritmos e estruturas de dados). Note que cada “N” gera um “M” no nível hierárquico imediatamente inferior (ou seja, no mês seguinte; não complica, Piropo!). E cada “M” gera um par “MN” no nível seguinte. Portanto, com base nesta simples observação, podemos determinar a lei de formação dos sucessivos níveis da árvore, ou seja, conhecer o conjunto de elementos de um determinado nível com base nos elementos do nível anterior. Basta para isto substituir no nível imediatamente abaixo cada “N” por um “M” e cada “M” por um “MN”. Compare a figura com o conjunto de linhas seguinte e veja se não tenho razão:

1) N
2) M
3) MN
4) MN M
5) MN M MN
6) MN M MN MN M
7) MN M MN MN M MN M MN
e assim sucessivamente...

Bem, como no hipotético problema de Fibonacci um casal de coelhos pode assumir apenas dois estados, “Nascido” e “Maduro” (lembre, os coelhos de Mestre Fibonacci nunca morrem...) e como estes dois estados são mutuamente exclusivos (um casal não pode assumir ambos ao mesmo tempo) nós, que somos chegados a um computador, podemos fazer o que fazemos sempre nestas circunstâncias: representaremos um estado (o “N”) por “zero” e o outro (o “M”) por “um”. E lá vamos nós, em binário, dispensando as separações entre os conjuntos de zeros e uns:

0
1
10
101
10110
10110101
1011010110110
e assim sucessivamente...

Bem, agora esqueça o valor dos números binários acima. Preste atenção apenas em seu aspecto, ou seja, na ordem em que os “zeros” e “uns” se sucedem. Pegue uma linha qualquer. Por exemplo a sexta: (10110101). Repare que ela pode ser “decomposta” em duas partes: (10110) e (101). Mas acontece que a primeira parte é absolutamente igual à quinta linha, enquanto a segunda parte é idêntica à quarta. Percebeu?

Isso. Você pegou a “lei de formação” dos níveis hierárquicos: cada um é composto por um conjunto de dígitos (“cadeia” ou “string” de dígitos) encadeando ordenadamente (por isso o nome “cadeia”) as duas linhas anteriores. Veja se a sétima linha (1011010110110) não é exatamente igual ao encadeamento da sexta (10110101) com a quinta (10110).

O que lhe permite, sem grande esforço, gerar a cadeia que virá a formar a oitava linha que, mesmo não constando da relação, certamente será igual à sétima seguida da sexta, assim:

101101011011010110101

E com isso você pode gerar a oitava, a nona, a décima e todas as demais, até a última.

Ora, mas se cada cadeia é formada pela justaposição das duas anteriores, como será a última?

Bem, de uma coisa podemos ter certeza: ela será infinita e formada pela justaposição das duas anteriores, a penúltima seguida da antepenúltima (afinal, essa é a “lei de formação”). Essa cadeia infinita, gerada em consonância com a lei de formação estabelecida pela seqüência de Fibonacci, chama-se “Golden String” ou “cadeia Áurea”.

Mas como será ela?

Como será, na verdade, eu não sei. Há alguns fenômenos transcendentais, como a alma feminina e a real aparência do infinito, que por mais que eu tenha me esforçado em decifrar não me foi dada a ventura de conhecer. Em relação ao primeiro, confesso, continuo na mais profunda ignorância. Já quanto ao segundo, pelo menos no que diz respeito à cadeia Áurea, tenho algumas pistas interessantes.

Antes, no entanto, vamos refrescar nossas noções sobre números, em particular sobre os números racionais e irracionais. Eu mencionei alguma coisa sobre estes últimos na primeira coluna, mas não entrei em detalhes. Hoje vamos nos estender um pouco mais. Mas sem apelar para qualquer conceito de matemática avançada ou efetuar cálculos esotéricos. Serão apenas explicações simples e diretas, capazes de serem entendidas por qualquer leigo. Então vamos a elas.

Um número é dito “racional” quando pode ser obtido pela divisão de dois números inteiros, ou seja, que apresenta a fórmula geral R = m/n onde “m” pode assumir qualquer valor e “n” deve ser diferente de zero. Chama-se “racional” porque representa uma “relação” ou “razão” (“ratio”) entre os dois inteiros.

Números racionais podem ser inteiros, como por exemplo 6 = 18/3, ou fracionários, como por exemplo 0,25 = 1/4. Mas entre estes últimos há alguns particularmente interessantes, que aparentemente jamais “terminam”. São as chamadas “dízimas periódicas” (“dízima”, no caso, significa “fração”; na verdade corresponde especificamente à fração “um décimo”, mas a palavra pode ser generalizada para representar qualquer fração). Por exemplo: a divisão de (ou “razão entre”) 1 e 3:

1/3=0,3333333.....

é um número cuja parte decimal se repete indefinidamente, o que é indicado pelas reticências no final. Nesse caso, o “período”, ou seja, a parte que se repete, é “3”. Outro exemplo seria:

5/13=384615 384615384615...

onde o período é “384615”. Em suma: o “período” pode ser mais ou menos longo, mas se o número é racional cedo ou tarde ele começa a se repetir. Inclusive nos casos das chamadas dízimas periódicas compostas, quando no início da parte fracionária há um ou mais algarismos que não se repetem, como:

647/90=7,18888888....

onde o período, “8”, só aparece a partir da segunda casa decimal.

Mas, seja lá como for, sendo o número racional, ou ele é inteiro (como “23”) ou pode ser representado por uma fração decimal finita (como 4,25) ou por uma dízima periódica simples (0,3333...) ou composta (7,188888...). Não há outra opção.

O que nos leva aos números “irracionais”, aqueles que não podem ser expressos por uma divisão (ou “relação”, ou “razão”) entre dois números inteiros.

Como os racionais, os números irracionais também podem ser expressos sob a forma de uma fração decimal. A diferença é que ao contrário dos primeiros, a parte fracionária dos números irracionais jamais “acaba” nem se repete (ou seja, não há “período”).

Você conhece pelo menos dois números irracionais. Eles são famosos, têm nome. Um deles é Pi. O outro é Fi. E se você não lembra, aqui vai um atalho para uma página de Ron Knott da Universidade de Surrey, na Grã Bretanha (citada na primeira coluna desta série) onde você encontrará uma representação de Fi com dez mil casas decimais (e poderia ser representado ainda com muitas mais; não se esqueça, ele não “acaba”). Se quiser se dar ao trabalho de consultá-la verá que não há qualquer tendência de repetição de conjuntos de dígitos na parte decimal, ou seja, não há período. Fi não é uma dízima periódica, é um número irracional.

Muito bem. E o que tem isso a ver com a cadeia Áurea, nosso assunto de hoje?

Bem, o Prof. Ron Knott dedica uma atenção muito especial à cadeia Áurea (como também ao número Fi e à razão Áurea; seu sítio foi e voltará a ser citado diversas vezes nesta série e é uma das melhores fontes de informação sobre o assunto). E da mesma forma que se dedicou a calcular Fi com dez mil casas decimais, deu-se ao trabalho de montar os primeiros dois mil dígitos (ou “bits”) da cadeia áurea. E publicou o resultado na página "The Golden String". Vale a pena ir até lá e dar uma olhada.

Mais que olhar, você pode interagir com ela.

Como a página foi programada em HTML puro (se não sabe o que é isso, esqueça; não é essencial para entender o resto) você pode deformá-la à vontade, estreitando-a ou alargando-a simplesmente movendo com o mouse a moldura lateral da janela de seu programa navegador. Com isso você pode fazer com que os dois mil dígitos se distribuam em linhas da largura que achar mais conveniente.

Vá até lá e veja. Por exemplo: arraste a moldura direita da janela até que cada linha tenha apenas treze dígitos e procure por seqüências que se repetem. No início, poderá até ficar animado. Como informa o próprio Prof. Knott, as duas primeiras linhas são idênticas (1 0 1 1 0 1 0 1 1 0 1 1 0) e são seguidas por mais três linhas também iguais (1 0 1 1 0 1 1 0 1 0 1 1 0). Depois vem uma diferente e nova seqüência de linhas que se repetem. Mas logo você irá reparar que após certo número de linhas cessa a repetição.

Mas nada o impede de alterar o número de dígitos de cada linha (sempre arrastando a moldura da janela do navegador) à procura de padrões. Tente. Procure uma situação em que todas as linhas sejam iguais, provando assim que a cadeia Áurea é formada por um conjunto de bits que se repete.

Se encontrar eu não apenas garanto sua indicação para o prêmio Nobel de matemática deste ano como aposto que sua candidatura será imbatível...

Não há repetição. O que mostra que o número Fi e a cadeia Áurea, a dos coelhinhos de Mestre Fibonacci, têm muito mais em comum do que se pode suspeitar (note que não estou afirmando que a cadeia Áurea é um número binário irracional apenas que, como na parte fracionária dos números irracionais, seus dígitos jamais se repetem, o que por si só já é um feito extraordinário para algo que tem um número infinito de elementos).

Para conhecer mais detalhes sobre essa relação e algumas propriedades curiosas da cadeia Áurea que eu decidi omitir para não tornar este texto demasiadamente “pesado”, visite a página 'The Golden String of 0s and 1s” também de Ron Knott. E caso se interesse realmente pelo assunto, sugiro também uma vista à página (em português) "Alegria Matemática: Seqüência de Fibonacci: Propriedades matemáticas”, onde recomendo particularmente (mesmo para os que não têm pendores matemáticos) uma olhada na relação entre os números de Fibonacci e o Triângulo de Pascal.

E agora que já sabemos o que são Seqüência de Fibonacci e Razão Áurea e conhecemos algumas de suas curiosas relações, preparemo-nos para, nas próximas colunas, buscar sinais de sua presença no universo que nos cerca.


O pentagrama

 

 O que o distingue dos demais triângulos? Simples: não apenas ele é isósceles (ou seja, tem dois lados – e portanto dois ângulos – iguais) como também seus ângulos da base, além de iguais entre si, são iguais ao dobro do ângulo do vértice superior. Ora, como sabemos que dois de seus ângulos são iguais (a = a) , que cada um deles é o dobro do terceiro (a = 2b) e que a soma dos três é 180º (a + a + b = 180), fica fácil calcular o valor de cada um deles resolvendo o sistema de equações:

2.a + b = 180 ; a = 2.b

substituindo na primeira o valor de “a” obtido na segunda vem:

2(2.b) + b = 180

Logo:

5.b = 180 ou b = 180/5 = 36

donde:

a = 2.b = 72.

Seus ângulos são, portanto, a = 72º e b = 36º.

 


Figura 1: Triângulo isósceles onde a = 2b

Você vê nele algo que o ligue à razão Áurea, número Fi ou algo assim? Não? Nem eu...

Mas vamos elaborar mais um pouco. Afinal, a verdade se esconde nos locais mais recônditos e é preciso alguma paciência para chegar até ela. Vamos traçar uma bissetriz (não sabe o que é isso? Fácil: uma reta que divide um ângulo exatamente ao meio). Mais especificamente, tracemos a bissetriz do ângulo “a” da esquerda da base de nosso triângulo. Isso nos deixa com uma triângulo com o aspecto da Figura 2, onde “batizamos” quatro pontos A; B; C e D. Assim, poderemos designar os segmentos de reta pelos pontos situados em suas extremidades (como os lados AB, BC e CA do triângulo e o trecho da bissetriz AD) e os ângulos pelos pontos situados em uma das extremidades de um lado, no vértice e na extremidade do outro lado, nessa ordem, como o ângulo DAC assinalado em verde na figura 2: